ENERGIAS
"Investir na independência energética a todos os níveis é cada vez mais importante"

"Investir na independência energética a todos os níveis é cada vez mais importante"

Em entrevista com a Smart Planet, Pedro Moreno, Prosumer Business & Energy Management Software Manager da Schneider Electric, explica de que forma o autoconsumo e smart grids são a chave para a independência energética

1.    Porque é que se fala tanto, hoje em dia, da necessidade de contar com uma energia resiliente?

A transição para uma energia não só mais sustentável, mas mais resiliente, tem-se tornado uma necessidade dos tempos modernos. De facto, o clima está a tornar-se mais rigoroso e isso torna a rede de distribuição cada vez mais difícil de manter e operar; para a maioria das empresas, não é uma questão de "se" haverá uma falha de energia, mas sim de "quando”. Por outro lado, a descentralização da produção de eletricidade pela elevada penetração das energias renováveis, juntamente com o impacto crescente do autoconsumo, vai, a médio prazo, causar tensões e congestionamentos na rede de distribuição, aumentando a probabilidade de interrupções e/ou perdas de qualidade do fornecimento. Por este motivo, os atores do setor energético estão agora a reavaliar que partes das suas operações têm maior necessidade de reforço da resiliência. É aqui que as microgrids devem entrar em jogo, uma vez que a habilitam, minimizando os riscos da volatilidade da eletricidade e também da volatilidade dos seus custos. Investir na independência energética a todos os níveis – desde a indústria ao setor residencial – é cada vez mais importante.

 

2.    As microgrids assumem-se, então, como a principal arma para enfrentar a volatilidade dos preços da energia e a necessidade de independência energética? O que são, exatamente, e que vantagens trazem?

As microgrids são sistemas elétricos autónomos que permitem a geração, o armazenamento e o consumo de energia de forma otimizada. Uma microgrid pode ser ligada ou desligada da rede manualmente, por um operador, ou automaticamente no caso de uma falha de energia. Suponhamos que a rede que fornece energia às suas instalações vai abaixo. O sistema de controlo da microgrid ativa o modo de ‘ilha’ para fornecer uma fonte de energia alternativa à rede e assegurar a continuidade do abastecimento. A resiliência energética e a sustentabilidade são dois benefícios óbvios das microgrids, mas outra grande vantagem prende-se com sua contribuição para a redução do consumo e dos custos de energia. Quando ligado à rede, o sistema monitoriza e otimiza a utilização dos recursos conectados e utiliza sempre a fonte de energia mais rentável para minimizar as contas de eletricidade. Acredito que esta montanha-russa nos preços de eletricidade veio para ficar, e que temos de nos habituar cada vez mais à volatilidade – porque as renováveis vão tornar o preço da energia extremamente barato, mas, quando não estiverem disponíveis, este tenderá a subir exageradamente. A instalação de uma microgrid permite amortecer estas flutuações e até gerar poupanças.

 

3.    Se é assim, porque é que só agora é que as microgrids se estão a tornar num tema de maior interesse? Porque é que mais empresas não têm já um sistema implementado?

Para responder a esta pergunta, é preciso considerar um amplo conjunto de fatores e também o quanto a tecnologia e os modelos de negócio evoluíram nos últimos tempos. Historicamente, a perceção do custo de operação e manutenção de um sistema de microgrids pode ter dissuadido as empresas de o considerarem. A relação custo-benefício da produção distribuída, utilizando energia renovável, os custos mais baixos do sistema de armazenamento e o aumento das instabilidades da rede têm sido, e continuarão a ser, catalisadores para impulsionar esta solução. A própria tecnologia de microgrids também tem progredido consideravelmente nos últimos anos, e pode agora ser adaptada a sistemas mais pequenos e escaláveis. De facto, o modelo de negócio de energia como serviço (EaaS) tornou-as mais acessíveis, não só aos grandes consumidores, mas também a empresas de todas as dimensões e indústrias. Graças ao EaaS, as empresas têm custos iniciais zero e não são responsáveis pela manutenção, serviços ou operações. Assim, obtêm os benefícios da otimização económica, da resiliência energética e da melhoria de sustentabilidade que as microgrids trazem, mas sem risco financeiro ou esforço inicial significativo. É, portanto, o momento para investir nelas.

 

4.    Quando falamos de sustentabilidade, o setor elétrico enfrenta neste momento uma onda de mudanças que acontecem diante dos nossos olhos a cada dia. Que fatores estão a contribuir para isto e porque é que esta transição é tão disruptiva para o setor?

O nosso desafio enquanto sociedade é limitar o aquecimento global e alcançar a neutralidade climática (ou seja, emissões líquidas zero de gases de efeito estufa) até 2050. Talvez possamos simplificar a resposta explicando que há três elementos-chave que estão a atravessar um processo de mudança em simultâneo, causando a tal disrupção de que fala:

  • O novo mix de geração, que está a evoluir progressivamente para que esta seja 100% renovável, limpa e totalmente descentralizada;
  • O novo padrão de consumo, com alto impacto nas curvas da procura, devido à crescente eletrificação da climatização e dos transportes (e-mobility) e à implementação massiva do autoconsumo solar. Por exemplo, um único veículo elétrico pode facilmente duplicar o pico de consumo a nível residencial, mas o carregamento inteligente será fundamental para limitar os custos e o impacto na rede;

O novo comércio de eletricidade e as regras através do qual é intermediado. Falamos de novas oportunidades para a rentabilização de ativos energéticos cada vez mais descentralizados, mas ao mesmo tempo mais interconectados; e de conceitos como a venda de energia entre pares (peer-to-peer energy trading), comunidades energéticas ou as centrais elétricas virtuais (Virtual Power Plants). Em suma, está a configurar-se um grande mercado energético, onde tanto a energia como o dinheiro e os dados vão fluir de forma bidirecional, o que muda totalmente o paradigma.

 

5.    A transição energética também trouxe novos conceitos e siglas, nem sempre fáceis de assimilar. O que significa exatamente o conceito de “prosumer”, de que ouvimos falar mais e mais?

O termo pode parecer novo, mas na verdade foi cunhado por Alvin Toffler (sociólogo e futurista) no seu livro “The Third Wave” há mais de 40 anos. Prosumer é um acrónimo formado pela fusão das palavras inglesas producer (quem gera eletricidade) e consumer (quem consome eletricidade) e une num mesmo sujeito duas atividades básicas: a produção e o consumo de energia elétrica. A revolução energética em curso vai impactar-nos enquanto consumidores de eletricidade, mas também poderemos beneficiar dela e monetizá-la enquanto “fornecedores” de serviços de energia que antes não existiam. Em suma, todos podemos ser prosumers, já não temos de ser meros espectadores como até agora. Falamos de colocar o consumidor de eletricidade no centro da equação, fazer dele peça essencial do novo quebra-cabeças energético que estamos a enfrentar. Cada um dos prosumers da rede de microgrids em que a rede elétrica se está a transformar terá capacidade preditiva para maximizar a utilização do autoconsumo derivado da sua geração renovável no local, gerirá de forma inteligente o seu armazenamento (geralmente em baterias) e, por fim, aplicará flexibilidade dinâmica na gestão das suas cargas. Tudo isto para consumir energia de forma independente da rede, bem como para a partilhar, armazenar ou descarregar no sistema de forma inteligente e automatizada, dependendo do que lhe seja conveniente em cada momento.

 

6.    Quais são as vantagens da gestão ativa de energia para os prosumers e para as comunidades?

Quando ouvimos falar em gestão ativa de energia, referimo-nos à evolução na atitude dos consumidores face à sua “autogestão energética”, que será cada vez maior e mais proativa. Isto vem dar resposta a um duplo compromisso e interesse; primeiro em benefício do próprio prosumer, e depois em benefício da comunidade:

  • Minimiza a sua própria fatura elétrica e garante a redução do seu impacto ambiental, devido à energia da rede que deixa de consumir;
  • Presta “serviços de flexibilidade” ao sistema elétrico que são rentáveis ​​para o próprio prosumer, mas também essenciais para garantir a estabilidade da rede.

Tudo isto está intimamente ligado à digitalização da gestão de energia BTM (“atrás do contador” – “Behind The Meter”) como resposta a todos os desafios já mencionados. A microgrid é o “habitante tecnológico” capaz de interoperar os nossos recursos ativos de energia e rentabilizar toda esta filosofia de prosumer de forma automatizada, orquestrando a maximização do autoconsumo, a gestão inteligente do armazenamento, a flexibilidade de carregamento e a interconexão com os mercados num único sistema. Para mim, talvez o conceito mais poderoso de todo este novo cenário seja mesmo o da proatividade.

 

7.    O que se pode esperar, num futuro próximo, da transição de consumidores para prosumers por parte de empresas e particulares? Vai acontecer já ou ainda é uma realidade distante?

Se o custo do armazenamento continuar em queda, como se espera, será cada vez mais habitual que todos consumamos, produzamos e armazenemos energia, ao mesmo tempo que otimizamos quando e como fazemos cada uma dessas três coisas, graças a uma gestão inteligente e automatizada. É provável que a proliferação de opções de novos serviços de energia (por exemplo EaaS) leve à estratificação dos consumidores, alterando a interação com as empresas de distribuição e comercialização de energia elétrica previamente estabelecida. Para além disso, vão surgir novos intermediários (como os "agregadores independentes") para dominar a arte de agregar as cargas, a geração distribuída e o armazenamento de um grande número de consumidores, transformando-os em centrais elétricas virtuais (VPP, na sua sigla em inglês), cruciais para a estabilidade e a otimização de todo o sistema. Desta forma, para cumprir os compromissos que temos, enquanto sociedade, para com o nosso planeta e deter as alterações climáticas, é urgente que todos – enquanto consumidores de energia – nos tornemos agentes de mudança. A Europa precisa de colocar os consumidores no centro dos mercados de energia, com uma regulamentação dinâmica centrada no prosumer, capacitando-o para contribuir ativamente e beneficiar de um sistema energético flexível. É neste sentido que estão a ser direcionadas todas as novas políticas, regulamentos e subsídios da União Europeia.

RECOMENDADO PELOS LEITORES

NEWSLETTER

Receba todas as novidades na sua caixa de correio!

O nosso website usa cookies para garantir uma melhor experiência de utilização.