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Aprovada Lei dos Serviços Digitais

Aprovada Lei dos Serviços Digitais

A ser elaborado desde 2019 e depois de semanas de negociações, o pacote regulatório foi aprovado esta quinta-feira e deverão começar em breve as negociações com os Estados-membros

As negociações do Digital Services Act (DSA) ou Lei dos Serviços Digitais, pacote regulatório que começou a ser delineado em 2019, apresentado pela Comissão Europeia, começaram no dia 11 de janeiro. Esta quinta-feira, a lei passou pela fase final de votação na sessão plenária e o Parlamento Europeu deu luz verde ao DSA e à abertura de negociações com os Estados-membros.

O texto foi aprovado com 530 votos a favor, 78 contra e 80 abstenções. Após a votação, a eurodeputada que lidera a equipa de negociações do PE, Christel Schaldemose, afirmou que "esta votação mostra que os eurodeputados e os cidadãos da UE querem uma regulamentação digital ambiciosa adequada para o futuro. Muito mudou nos últimos 20 anos, desde que adotámos a diretiva sobre o comércio eletrónico. As plataformas em linha tornaram-se cada vez mais importantes na nossa vida quotidiana, trazendo novas oportunidades, mas também novos riscos".

As negociações finais refletiram uma aprovação tripartida entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão Europeia para a provação final do texto. A proposta surge tendo em vista dinamizar o Mercado Único Digital – tendo em conta a criação de um espaço digital europeu único, mais transparente e seguro, que vá de encontro à proteção dos direitos dos utilizadores, garantido um espírito competitivo e regulando a moderação dos conteúdos. 

A proposta acompanha a vontade de regulamentar os maiores “gatekeepers”, as gigantes tecnológicas, abordando, por exemplo, os algoritmos das corporações, para que o mercado seja mais justo e direcionado para quem tem os melhores produtos, e não quem tem mais poder. É de notar que a Comissão Europeia propôs duas iniciativas legislativas para atualizar as regras que regem os serviços digitais na UE – por um lado, o DSA, e, por outro, o Digital Markets Act (DMA), que formam um conjunto de novas regras aplicáveis em toda a UE para “criar um espaço digital mais seguro e aberto”, segundo a CE. 

Assim, o “DSA e o DMA têm dois objetivos principais: criar um espaço digital mais seguro no qual sejam protegidos os direitos fundamentais de todos os utilizadores de serviços digitais; estabelecer condições de igualdade para promover a inovação, o crescimento e a competitividade, tanto no mercado único europeu como globalmente”, diz a CE no site oficial. 

No decorrer das negociações, Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia com a pasta da Concorrência, afirmou que “a UE está numa posição única para elaborar um pacote regulatório muito forte que possa ser aplicado rapidamente, que significa remover ainda mais as barreiras ao Mercado Único Digital, capacitando as pessoas para fazerem escolhas informadas e dando mais responsabilidades aos fornecedores de serviços digitais”

Assim, referiu como objetivos orientadores do projeto “tornar a Internet mais segura para os nossos cidadãos, protegendo-os de conteúdo ilegal - incluindo produtos inseguros ou não autorizados - garantindo sua liberdade de expressão online”. Garantiu que se trata “de um equilíbrio delicado que, acredito, conseguimos preservar” através do DSA, e “uma aplicação robusta é essencial para uma legislação eficaz”Ainda assim, fez notar que “a clareza e o impacto do DSA depende da sua implementação efetiva”, que “requer uma cooperação reforçada e mútua de conhecimentos e competências a nível europeu e nacional, e meios para a cumprir”. 

Num outro discurso, Thierry Breton, Comissário Europeu para o Mercado Interno, definiu o que se pretende com o DSA dizendo que propõem “regras claras para a retirada de conteúdos ilegais do espaço digital – sejam produtos, serviços ou conteúdos – em linha com um princípio simples: o que é proibido offline deve ser proibido online”. Por outro lado, “estamos a impor novas exigências baseadas no risco em plataformas de grande dimensão para evitar abusos”, sobre os quais a “CE terá poderes de supervisão e sanção de até 6% do volume de negócios anual ou mesmo a exclusão temporária do mercado interno em caso de infrações graves e constantes”. 

Mais, referindo-se aos algoritmos, “estamos a impor medidas de transparência nas plataformas para finalmente entender as razões pelas quais este ou aquele cidadão é alvo de determinado conteúdo ou publicidade”, e, finalmente, “estamos a garantir que todas essas regras sejam aplicadas de maneira uniforme em toda a União Europeia, para evitar que plataformas operem em países considerados mais 'benevolentes'”.

Iniciativas como a Portugal Tech League, criada pela consultora de inovação colaborativa Beta-i, que agrega diferentes agentes do ecossistema tecnológico e de inovação, dentro e fora de Portugal, ressalvaram o seu apoio perante o DSA. Numa declaração conjunta, os membros da iniciativa afirmaram que “numa altura em que legisladores de todo o mundo se debatem com questões de responsabilidade e moderação de conteúdos, a Lei dos Serviços Digitais é, de facto, uma oportunidade única de o fazer corretamente” e “se esta oportunidade for bem aproveitada, a Lei assumirá um papel proeminente ao dar substância à estratégia digital da União Europeia”, posicionando a “UE à frente de qualquer outro bloco económico e político no mundo em termos de governação digital, sem qualquer concorrência à vista”.

Obstáculos à Inovação

Contudo, as negociações não têm sido pacíficas e surgem algumas reticências perante a nova legislação. Também a Portugal Tech League demonstrou as suas preocupações, alertando para os potenciais riscos da DSA, alegando que podem desincentivar as empresas e constituir um obstáculo à criação e expansão de serviços digitais inovadores na UE, se não for adaptada à nova realidade da Internet.

O apoio, mas também o alerta, da Portugal Tech League é feito no Digital Services Act Position Paper: A script for startups and SMEs to grow in a seamless, open and competitive Digital Single Market, relatório preparado para os legisladores em Lisboa e Bruxelas, que pretende sublinhar a importância de a Lei dos Serviços Digitais ter em conta o papel fundamental desempenhado por startups e PME na dinamização do Mercado Único Digital.

Neste sentido, a Portugal Tech League faz cinco recomendações para definir uma abordagem europeia comum para a regulação dos serviços digitais. Por um lado, relativamente à aplicabilidade num contexto transfronteiriço, pelo que o princípio do "país de origem", que permite às empresas operarem nos 27 Estados-membros, não deve ser negociável, garantindo a segurança jurídica necessária para que startups possam funcionar como empresas globais e testar as suas inovações em vários mercados da UE a partir de um único local. 

“Para uma startup, realizar uma análise prévia de todas as leis que definem o conteúdo ilegal numa determinada jurisdição e receber ordens de atuação de qualquer autoridade da UE, com base no que é ilegal num Estado-membro específico que não aquele em que está baseada, desencorajaria efetivamente o seu crescimento e teria custos enormes, frustrando involuntariamente os benefícios do ‘princípio do país de origem’ para o Mercado Único. Assim, a prioridade deve ser preservar o sistema do ‘país de origem’, uma vez que facilita a livre circulação de bens, serviços e empresas em toda a UE”, explica a iniciativa.

Por outro lado, a Portugal Tech League afirma que o DSA deve assegurar “uma Internet livre, aberta e plural” e, neste momento, tal como concebida no DSA, “a moderação de conteúdos não beneficia empresas de menor dimensão, dificultando uma utilização mais eficaz e eficiente das ferramentas de moderação”, refere. “Como tal, é importante reconhecer a diversidade da economia de plataformas online em mais detalhe, para que as empresas de menor dimensão não sejam penalizadas em resultado de um alcance mais restrito - uma consequência que não trará quaisquer benefícios para os objetivos a atingir”. 

Mais, “defende a não introdução de mecanismos stay-down, que obrigam as plataformas online a utilizar filtros que impeçam o reaparecimento de conteúdos previamente removidos. Sem clarificar especificamente as circunstâncias em que estes mecanismos deveriam ser aplicados, haveria o risco de anular o princípio geral consagrado na Diretiva do Comércio Eletrónico, e mantido na Lei dos Serviços Digitais, segundo o qual não deveriam ser impostas obrigações gerais de controlo aos prestadores de serviços intermediários”, reiteram.

Em terceiro lugar, a iniciativa refere que se deve “separar obrigações das condições de isenção de responsabilidade”, pelo que “o cumprimento das obrigações por parte das plataformas não deve ser critério para que possam beneficiar do regime de isenção de responsabilidade. Caso contrário, a isenção de responsabilidade não será obtida para os operadores com menos recursos”. Além disso, “todas as startups e PME têm interesse em garantir que os seus serviços sejam seguros para os seus utilizadores. Como tal, devem ter flexibilidade suficiente para implementar o seu próprio mecanismo de rastreabilidade dos comerciantes, bem como os mecanismos internos de tratamento de reclamações e de resolução extrajudicial de litígios”. Em última instância, “a Lei dos Serviços Digitais deve promover o princípio de que os utilizadores e consumidores individuais são responsáveis pelo seu comportamento e atividades online, sob pena de criarmos as condições para uma internet menos livre, aberta e plural”, completam.

Em quarto lugar, apesar de a iniciativa ver “com bons olhos a harmonização das regras em torno dos mecanismos de notificação e ação ao nível europeu para a moderação de conteúdo, qualquer abordagem regulatória baseada no risco, embora eficiente, vai exigir dos intermediários a ponderação de um equilíbrio entre direitos fundamentais eventualmente concorrentes ou se o acesso deve ser restringido”. Neste sentido, a Portugal Tech League acredita que “a Lei dos Serviços Digitais não deve introduzir prazos curtos para a remoção de conteúdos e não deve dar às autoridades nacionais o poder de o fazer, precisamente para não inviabilizar a capacidade de resposta das entidades com menores recursos financeiros e humanos”.

Por último, a iniciativa aborda a publicidade direcionada: apoia “o facto de a Lei dos Serviços Digitais não proibir a publicidade direcionada e de reconhecê-la como uma das atividades económicas cruciais das plataformas online”, uma vez que “muitas vezes, esta é a única forma de startups e PME lançarem os seus produtos, serviços, ou bens num segmento de mercado específico, alcançando potenciais clientes e consumidores com baixo custo. Por conseguinte, uma proibição da publicidade dirigida impediria startups de competir com os intervenientes já estabelecidos no mercado”, concluem, apoiando, ainda, a proibição de “dark patterns”.

De acordo com os membros da iniciativa, “se antes a Diretiva sobre o Comércio Eletrónico era suficiente, agora, com a transição para uma Internet mais interativa e com o aparecimento de novos serviços e tecnologias, a Lei dos Serviços Digitais é a oportunidade de trazer a diretiva para o século XXI. Com esta evolução surgem novos riscos, por isso o desafio é enfrentá-los sem impedir a inovação, com a criação de uma proposta regulamentar que não seja demasiado prescritiva, complexa e onerosa”.

É de notar que, apesar da aprovação, nao há data para uma aplicação prática do pacote regulatório, pelo que as últimas medidas poderão tomar forma apenas em 2023. 

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