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Banca e seguros: o cliente no centro da inovação

Banca e seguros: o cliente no centro da inovação

A mudança radical da expectativa dos clientes, agravada pela entrada de novos players digitais no mercado, levou a que os setores da banca e seguros tenham de alterar os seus processos e modelos de negócio de forma a manter a competitividade

A transformação digital, particularmente a experienciada de forma acelerada durante a pandemia, está sem dúvida a afetar todos os setores, criando, assim, novas oportunidades de crescimento, mas causando ao mesmo tempo uma enorme disrupção, obrigando as organizações a acompanhar o ritmo evolutivo sob pena de ficar para trás.

No entanto, poucos setores sentiram esta disrupção de forma tão intensa como os da banca e dos seguros. Tendo, à partida, modelos de operação distintos, as instituições financeiras convergiram nas suas necessidades evolutivas, deparando-se com uma rápida mudança das expectativas dos clientes, que divergem cada vez mais dos seus modelos tradicionais.

Para manterem a competitividade e resiliência, estas organizações terão, então, de acompanhar o ritmo de mudança – não só ao nível da simples digitalização que se faz sentir em todos os setores como também no sentido de marcar passo com os novos players que estão a subir a fasquia no mercado.

Isto não só passa pela criação de novos produtos e serviços, novos modelos de negócio e novas experiências de cliente, como também da transformação de todos os processos subjacentes, transformando profundamente as suas operações, cultura interna e sistemas, independentemente das tecnologias que utilizem.

“Não creio que a transformação digital seja um processo cristalizado no tempo, é um processo que se quer contínuo, por isso mesmo terá de estar sempre nas agendas das entidades que querem marcar a diferença por usar a tecnologia no modernizar e acelerar a entrega de mais valor aos seus principais stakeholders, no setor segurador em especial, aos clientes e à rede de mediação”, refere Sérgio Martinho, Chief Information Officer da Lusitania Seguros.

O cliente como motor de inovação

No que toca a serviços, isto traduz-se sempre num maior foco no cliente – por um lado, no sentido da rapidez de resposta ao contacto e, por outro, na personalização e self service.

Cada vez mais informado das suas escolhas e disposto a procurar ativamente a opção que traga mais benefícios, o cliente espera, agora, que os serviços se adequem às suas necessidades e que o prestador esteja sempre disposto a atender às mesmas.

“Claramente, os clientes têm desenvolvido uma capacidade de procura e exigência de serviços, em que a experiência e facilidade de acesso a respostas efetivas são determinantes”, refere João Moradias, Head of banking & Insurance da DXC. Esta maior exigência por parte dos clientes, que rapidamente adotam novos modos de utilização como experiência base, obriga a um constante acompanhamento das expectativas dos seus clientes.

“As instituições bancárias têm de assumir uma competência muito particular em compreender a transformação das expectativas dos seus clientes, envolvendo-se no seu modelo evolutivo e criando uma combinação ideal de interações digitais e humanas para uma boa prestação do serviço e satisfação dos seus clientes”, acrescenta.

Como tal, os bancos e seguradoras têm que se adaptar, endereçando o cliente numa lógica multicanal e de proximidade, simplificando os processos de interação com o cliente, sem perder o foco com cada um.

“Neste contexto a permanente adaptação das plataformas multicanal de contacto com os clientes são uma nova realidade, e consequentemente, a organização tem que se dotar de processos mais automáticos e flexíveis, que permitam uma resposta mais objetiva e em tempo útil, não permitindo que o cliente se sinta desapoiado,” alerta Luís Teodoro, Administrador da Softfinança. Para além do próprio contacto, as expectativas face à própria oferta mudaram radicalmente nos últimos anos.

“O cliente hoje faz uma gestão do seu tempo de forma mais flexível e informal, está mais esclarecido e atento aos pormenores, com uma maior expectativa e valoriza a disponibilidade e a melhor experiência de consumo, impulsionando assim as organizações a se adaptarem a este novo perfil de clientes, e desta forma manterem as suas relações de fidelização numa lógica multicanal integrada que desta forma abarca os diferentes tipos de contacto com o cliente, nas diferentes fases em que ele se possa encontrar”, relata o responsável.

Na banca, o exemplo mais óbvio disto é a quase total ubiquidade do pagamento eletrónico, o qual – precedido há já várias décadas pela crescente predominância do uso de cartões de crédito e débito – verificou uma verdadeira explosão nos últimos anos, com o advento do mobile banking e plataformas de pagamento como a MBWay. Quantas pessoas em tempos recentes nunca foram apanhadas despercebidas quando, deparadas com uma situação na qual não é aceite pagamento eletrónico, se aperceberam que haviam perdido o hábito de trazer consigo dinheiro vivo?

“Hoje, a grande maioria das operações de retalho já são feitas nos canais digitais ou ATM; registamos mensalmente 16 milhões de acessos às nossas plataformas de banca digital”, relata uma fonte no BPI. “Estes números refletem já hoje uma alteração definitiva do modelo de distribuição bancário e das condições de prestação dos serviços financeiros, através da articulação de uma profunda mudança tecnológica com uma alteração radical do comportamento dos clientes. É mais visível no retalho, mas atingirá, sem exceção, todos os segmentos”.

Na era digital, o utilizador dará sempre primazia à opção mais conveniente, mais ágil e que mais se adeque ao seu estilo de vida. Isto é tornado particularmente óbvio pela rápida popularização de serviços digitais como a Revolut, que beneficiaram de um crescimento explosivo por virtude de se posicionarem como alternativa mais ágil e flexível e menos burocrática do que os modelos tradicionais.

Como tal, para manter a atratividade num ambiente cada vez mais competitivo, os bancos e seguradoras terão cada vez mais de endereçar o cliente numa lógica multicanal, sem que se perca a integração e coerência na relação com o cliente.

Aos olhos do BPI, “a banca está a transformar-se para estar ainda mais próxima, mais eficiente e mais rápida, apesar de utilizar cada vez mais soluções remotas em detrimento da presença física, sem perder o essencial da sua função de intermediação financeira, baseada na confiança”.

Contudo, defende Sérgio Martinho, o setor dos seguros diverge em parte da tendência geral, por virtude da natureza do contacto com o cliente. Enquanto os serviços financeiros têm um contacto quase diária com os seus utilizadores, a seguradora é, na maioria dos casos, uma figura com a qual, idealmente, não se toma contacto a não ser que algo esteja errado.

“Não considero que seja o cliente o instigador direto da transformação; creio que é mais relevante o peso que a rede de mediação terá, pois, esse sim, tem um contacto muito mais próximo e são mais instigadores da transformação”.

A exceção é, naturalmente, os clientes corporativos, visto que este segmento implica maior contacto com o cliente individual e, como tal, maior exigência em termos de prestação de serviço.

Novos modelos no setor bancário

O setor da banca depara-se com um problema único. Para além dos níveis base de inovação requeridos pela digitalização, os bancos tradicionais precisam de marcar passo com os novos players do mercado, criados de origem para esta nova realidade.

De acordo com um recente estudo da Accenture, os bancos e fintechs exclusivamente digitais apresentaram um desempenho significativamente maior do que os bancos tradicionais entre 2018 e 2020.

Isto, detalha o estudo, deve-se em grande parte à diferença entre modelos de negócio. Os modelos de negócio bancários tradicionais, verticalmente integrados, ficam em clara desvantagem face aos modelos empregados por players digitais, os quais, através da desagregação dos produtos tradicionais e parcerias com terceiros, permitem criar ofertas personalizadas de valor acrescentado.

Para além destes players mais bem sucedidos, aqueles que adotaram modelos não lineares verificaram um maior crescimento nas receitas durante este período do que aqueles que replicaram os modelos tradicionais, linearmente integrados verticalmente.

De acordo com este estudo, os bancos tradicionais que adotem estes novos modelos poderão aumentar as receitas em 4% por ano.

“Neste contexto, o setor tem criado desenvolvimento de estratégias que permitam combater esta evolução, promovendo modelos colaborativos com as fintechs na procura de parcerias de benefícios mútuo, desenvolvendo capacidade de interligação fácil com as múltiplas entidades que se movem no setor financeiro, através de contextos de openbanking, e tendo por base o seu ativo mais importante que é a enorme base de clientes”, indica João Moradias.

Assim, explica, as empresas do setor conseguem acompanhar o ritmo da inovação e criar soluções adaptadas aos requisitos dos seus clientes, conseguindo uma experiência de utilização dos seus serviços bancários vastamente superior.

Novos modelos no setor dos seguros

Também as seguradoras enfrentam pressão por parte de novos players digitais, com maior foco no marketing e distribuição, permitindo-lhes ir ao encontro das necessidades dos clientes através de experiências digitais melhoradas. Como na banca, e como já referido, o cliente espera uma experiência multicanal, personalizada e sem atritos.

Segundo um recente estudo da McKinsey, uma experiência de cliente digital deixará de ser um nice to have, passando a ser uma condição-base para o crescimento, obrigando as seguradoras a formar parcerias ou, em alternativa, a fazer grandes investimentos tecnológicos. A mudança para o digital será possivelmente a última oportunidade para as seguradoras recuperarem terreno na luta pelo cliente.

Segundo a consultora, as seguradoras terão de se focar na personalização do serviço e experiência do cliente, envolver-se com os novos players para formar parcerias tecnológicos, modernizar as plataformas e tomar partido dos dados, analítica e automação.

“As companhias, seguradoras ou não, que usualmente ganham relevância no mercado são aquelas que antecipam necessidades, as que pensam mais à frente e estão mesmo centradas nos seus clientes, não conheço nenhuma que tenha feito um trabalho de relevância sem que com isso seja utilizada em grande extensão as tecnologias de informação”, comenta Sérgio Martinho. “O IT deve, inclusivamente, ser mais do que um meio para se atingir um fim, deve ser um motor per se do espírito da inovação por estarem atentas ao potencial que é possível explorar por fazer com que os clientes incrementem os seus níveis de confiança e com isso incremente o seu footprint”.

Aqui, acrescenta, o pay per use será uma realidade. Popularizado pelas insurtechs, estes modelos mais flexíveis apresentam um maior apelo junto do cliente e esta é uma tendência que as seguradoras terão de acompanhar se tencionarem recuperar terreno face aos novos players, oferecendo simultaneamente valor acrescido através de consultoria e aconselhamento.

Os desafios da inovação

Tanto no setor bancário como dos seguros, o principal desafio será o acompanhamento do ritmo evolutivo do setor, em particular no que toca à gestão da dívida técnica, o que obrigará a uma revisão e adaptação de processos e organização interna.

Este é, na verdade, um duplo desafio: não só a gestão da dívida técnica é um obstáculo inevitável para todas as organizações que procurem inovar, como a própria cultura de inovação irá determinar a sua capacidade de acompanhar o ritmo de mudança em tempo útil.

“Como se depreende, a tempestade perfeita acontece quando há uma enorme dívida técnica e uma não vontade de uma mudança, tudo fica substancialmente mais complicado,” reforça Sérgio Martinho. “É por isso mesmo que deve haver uma cultura corporativa que instigue a saída de todos, da sua zona de conforto, pois só assim é promovida a necessária vontade de querer fazer mais, sempre melhor”.

Assim, a inovação terá necessariamente de ser holística, tanto a nível tecnológico, operacional e humano, em organizações nas quais, pela sua dimensão, criticidade e antiguidade, qualquer mudança se apresenta como um processo extremamente complexo.

Todos estes desafios devem ser ultrapassados de forma a que as instituições financeiras possam acompanhar a evolução de um mercado cada vez mais competitivo, não só por virtude das expectativas dos clientes como também da entrada de fintechs e insurtechs no mercado, por natureza mais tecnologicamente competentes e ágeis na sua utilização.

“O IT deve ser mais do que um meio para se atingir um fim. Deve ser um motor do espírito da inovação em si só, por estarem atentas ao potencial que é possível explorar por fazer com que os clientes incrementem os seus níveis de confiança, e com isso incremente o seu footprint”, refere o responsável.

De olhos no futuro

Independentemente do setor, a pedra basilar da inovação será sempre a capacidade de acrescentar valor aos clientes através de serviços que respondam às suas necessidades, com maior rapidez de resposta, compreensão e ação. Como tal, os dados estarão sempre no centro da mudança – em particular, reforça João Moradias, através da Inteligência Artificial (IA), que, prevê, será preponderante num futuro próximo.

Na banca, as plataformas multicanal e omnicanal de contacto com os clientes serão uma nova realidade, requerendo que as organizações desenvolvam processos mais automáticos e flexíveis para resposta e apoio ao cliente.

“O futuro que se prepara é um modelo a que chamamos omnicanal, em que o cliente tem à disposição uma plataforma de serviço comum a todos os canais disponíveis, remotos e presenciais, com um suporte de tecnologias que vão desde a inteligência artificial, ao metaverso/Web 3.0 e às finanças descentralizadas”, acrescenta também o representante do BPI.

Já nos seguros, Sérgio Martinho prevê também uma integração em massa de tecnologias como Internet das Coisas, machine learning e inteligência artificial, com vista a conseguirem maior flexibilidade e proximidade ao cliente.

A IA, em particular, terá um efeito disruptivo na cadeia de valor dos seguros, criando um modelo ‘human in the loop’ que potenciará a produtividade e maior qualidade no contacto com os clientes. Aqui, o setor beneficia de um vasto histórico de dados pré-existentes, dos quais poderão tomar partido para criar modelos operacionais mais inteligentes, e mesmo desenvolver produtos e serviços com base em IA.

“Nessa realidade, não duvido que a seguradora estará muito mais no mindset do cliente pois deixa de ser uma commodity para ser um verdadeiro trusted business partner”, diz.

Como consequência desta forte evolução tecnológica, a Lusitania prevê uma maior concentração do mercado, com um número menor de seguradoras a operar globalmente e cujas operações se vão basear na personalização dos serviços.

Esta tendência será também acompanhada por uma evolução dos mediadores: “vejo um canal de mediação diferente, muito mais centrado no cliente, mais uma entidade que, em conjunto com a seguradora, consegue aportar mais valor na relação”, conclui.

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